quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Excerto da crónica de Miguel Sousa Tavares

12/11/2014 - Os textos, para mim, mais importantes
2 - Vi o Benfica ser esmagado em toda a segunda parte contra o Mónaco, a um ponto que chegou quase a ser humilhante, jogando em casa e durante mais de meia hora sem conseguir ultrapassar a linha do meio campo. Por milagre, sobreviveu a inúmeras ocasiões de golo do adversário e, por milagre chegou ao golo num banal pontapé de canto. E, por milagre ainda, viu o árbitro de área, a dois metros da jogada, fazer vista grossa a um escandaloso penalty cometido por Jardel, no último minuto.
Mas desta vez Jorge Jesus não se pronunciou sobre a conspiração da arbitragem europeia contra os clubes portugueses e, sem se rir, até disse que só o Benfica poderia ter ganho aquele jogo.
Cinco dias depois, voltei a ver o Benfica encostado às cordas, a defender uma tangencial vantagem caída de céu, em toda a segunda parte contra o Nacional. Foram 45 minutos sem fazer um ataque e a defender-se de pontapé para a frente e para o ar. Para variar, também beneficiou de uma ajuda arbitral em momento decisivo – coisa que já se tornou tão banal que eu nem consigo lembrar-me de um jogo deste campeonato em que tal não tenha acontecido. Para Jorge Jesus, foi mais uma vitória indiscutível.

3 - Paulo Fonseca disse que o que o entristecia era adivinhar que os jornais iriam focar-se nos deméritos do Sporting e não nos méritos do Paços de Ferreira, pelo empate obtido em Alvalade. Tem toda a razão e por isso vou contrariá-lo: durante 75 minutos, eu vi o Paços dar uma lição de futebol ao Sporting, que só acabou quando ficou em inferioridade numérica.
Nos últimos 15 minutos, o Sporting até poderia ter ganho, mas seria muito injusto – mesmo que o árbitro se tivesse esquecido das leis do off-side e tivesse validado o golo anulado a Montero, como pretendia Marco Silva.

4 - Os canais de televisão de informação – RTP Informação, SIC Notícias, TVI 24 e CMTV – gastam em média 600 horas por mês (20 por dia!) em programas dedicados ao futebol que não envolvem qualquer transmissão de jogos. São apenas debates, discussões, comentários, análises, futebol falado. Independentemente da pobreza editorial que estes números revelam, da indigência cultural do país que mostram, também não tenho dúvida alguma de que esta indigestão de futebol falado só faz mal ao futebol e nada, ou quase nada, tem que ver com ele.
Outra coisa que só faz mal ao futebol foi o que vimos ainda este fim-de-semana, na Madeira e no Estoril, onde foram jogar Benfica e FC Porto – teoricamente as duas equipas portuguesas melhor apetrechadas para proporcionar bons espectáculos de futebol. Mas como jogar bem e bonito em campos com dimensões diminutas e relvados onde a bola salta em vez de deslizar e impõe um futebol de repelões, ressaltos, faltas e tropeções? Só mesmo a generosidade do Luís Freitas Lobo, para quem todos os jogos são espectaculares e todas as equipas fantásticas, é que pode ter visto, por exemplo, um grande jogo de futebol na Amoreira. Não foi, nem podia ser: seria como exigir do Pavarotti um fabuloso recital de Verdi na Gare Marítima de Alcântara. Já o disse, algumas vezes: se eu mandasse na Liga, tornava obrigatório que todos campos da primeira divisão tivessem a dimensão máxima e um relvado em condições aceitáveis. A permissividade que existe actualmente promove conscientemente o mau futebol, fingindo defender os pequenos – como se estes só pudessem aguentar-se jogando em condições em que o futebol se torna uma lotaria e o menos importante. E a situação é particularmente chocante na Madeira, onde, tanto o Nacional como o Marítimo, promoveram obras de ampliação e modernização nos seus estádios em que se aumentaram as bancadas tendo o cuidado de manter os relvados com a dimensão mínima. Acreditam que o mau futebol atrairá cada vez mais espectadores, à conta, simplesmente, da devoção clubística. É o caminho do suicídio.

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