1- Pedro Henriques é um árbitro que, quando apareceu, prometia bem mais do
que aquilo que viria a cumprir. Por razões que ignoro, o facto é que ele
nunca passou de um árbitro banal, às vezes mesmo, pior do que isso até:
acumula algumas limitações de julgamento, técnicas, com uma postura de
vedetismo e autoritarismo que, não sendo qualidades em si mesmas, só podem
tornar mais evidentes os defeitos. Nada é menos eficaz do que o
autoritarismo sem a autoridade natural da competência. E, desta vez, quem
pagou as favas foi Falcao - ou, como bem disse Jesualdo Ferreira, o
espectáculo do Porto-Benfica que aí vem. Por desejo de protagonismo, por
autoritarismo, Pedro Henriques resolveu tirar Falcao do clássico deste
fim-de-semana, conseguindo ver numa mão em queda de um jogador em queda,
depois de derrubado pelos adversários, uma atitude adequada para um cartão
amarelo. Incompetência: essa mão na cara do adversário ou ele a julgava como
acidental ou a julgava intencional - e então, seria uma agressão, que daria
motivo para um vermelho directo, jamais para um amarelo. Exibicionismo: num
jogo já decidido e sem história, Pedro Henriques não resistiu a entrar para
a história como o árbitro que impediu que a luta pela Bola de Prata entre
Falcao e Cardozo pudesse continuar a ser o único, rigorosamente o único,
motivo de interesse que ainda resta neste campeonato. Nesse instante, de
peito feito, ele achou-se importantíssimo, a suprema autoridade. Enganou-se
e o seu engano é ridículo: Falcao faz falta ao espectáculo e, na disputa
particular em que estava envolvido, é insubstituível; ele, não.
2 - De qualquer maneira, não é justo mandar todas as culpas do desfecho da
Bola de Prata para cima de Pedro Henriques. Jorge Jesus fez notar que a Bola
de Prata é um troféu que já escapa ao Benfica há muitos anos - e que o
Benfica adorava juntar este ano ao título de campeão, já entregue. E, como
se tem visto e se viu outra vez este fim-de-semana, estamos em ano em que o
Benfica quer, o Benfica tem. Os jogos do Glorioso têm tido uma fatal
tendência para serem marcados por uma série infindável de penalties a favor
(que Cardozo lá vai transformando, mais mal que bem) e por expulsões dos
adversários, que muito facilitam os desfechos. Cardozo leva uns dez
penalties convertidos no rol dos seus golos acumulados, Falcao leva dois.
Cardozo leva alguns golos validados em off-side (como o terceiro do seu
hat-trick contra o Olhanense), Falcao leva quatro golos limpinhos anulados
por falsos off-sides. Está uma passadeira vermelha estendida para que Óscar
Cardoso leve a Bola de Prata, a de Ouro e a de Diamantes. Resta, como me
confessava um benfiquista mais tranquilo que outros que por aí andam, que
Falcao é muito melhor avançado e jogador do que Cardozo - como aliás percebe
qualquer um que perceba de futebol. E eu, que até acho que Cardozo é um bom
avançado e útil na sua missão, não pude deixar de concordar com este
benfiquista, quando ele, recebendo a notícia do terceiro golo de Cardozo
contra o Olhanense, comentou: «Se ele, além de marcar golos, soubesse jogar
futebol, já estava no Real Madrid!».
Não impede que Radomel Falcao, tão a leste destas guerrilhas internas, foi
roubado de um troféu individual que indiscutivelmente merecia e mereceu,
pela época que fez, pelos golos que marcou e pelos que injustamente lhe
anularam e pelo jogador que é. Falcao saiu do jogo de Setúbal em lágrimas
por não poder jogar o seu primeiro Porto-Benfica; Jesualdo Ferreira foi
expulso do banco pela primeira vez na sua carreira. E Pedro Henriques lá vai
continuar igual.
E não impede que Vítor Pereira deveria ter mais pudor em não nomear para os
jogos finais do campeonato os árbitros que o mundo inteiro sabe que levam
uma mancha benfiquista no coração. Lucilio Baptista - um dos piores árbitros
dos últimos anos do futebol português - já não tem margem para benefício da
dúvida, quando arbitra o Benfica. Toda a gente o sabe, toda a gente o vê, já
toda a gente sorri quando o vê actuar com o Benfica em campo. Desta vez e em
apenas oito minutos, ele liquidou o Olhanense e nem sequer deixou qualquer
hipótese de que o jogo se pudesse vir a complicar para o Benfica. Aos dois
minutos, marcou pressurosamente um daqueles penalties de bola no braço que,
em querendo, só não se assinalam aos manetas (e bem menos evidente do que o
braço na bola com que Aimar amorteceu para marcar o quinto golo do Benfica).
E, aos oito, aí já com razão, mostrou o segundo amarelo ao não-maneta do
Olhanense e, com isso e o penalty inventado, o jogo ficou arrumado, tirando
os fait-divers: o quarto golo em off-side, o quinto preparado com a mão.
Viva o campeão e o Bola de Prata!
Consola-me pensar que em breve Lucílio Baptista gozará a sua justa reforma e
Ricardo Costa a sua justa retirada de cena. Cumpridas as suas missões,
elogiado o seu zelo em defesa da «transparência». E talvez, quem sabe para o
ano, o campeonato se resolva exclusivamente dentro do campo e não haja
protagonistas marginais ao jogo a cumprirem a sua penosa missão de retirarem
de jogo os seus verdadeiros e melhores protagonistas. Um campeonato
inteiramente jogado à luz do dia, longe das sombras dos túneis, dos tiques
de autoridade de personagens menores e que nenhuma, nenhuma falta fazem ao
futebol.
3 - Ricardo Costa retira-se, aliás, com mais uma derrota na sua infatigável
batalha contra o F.C. Porto: o Conselho de Disciplina não apenas revogou o
seu «castigo» de mais três meses de silêncio a Pinto da Costa, como ainda
lhe lembrou esta coisa evidente: quem é o Sr. Ricardo Costa para querer
silenciar quem quer que seja? Quem é este Torquemada de trazer por casa que
se acha mais importante do que a própria Constituição da República? Quem é
este mestre de direito cujas brilhantes teses, e de sentido único, nunca são
acompanhadas por ninguém mais que julga os mesmos factos que ele? Quem é
este pavão justiceiro que até consegue retirar à águia o brilho que,
todavia, nós até lhe reconhecemos? Bye, Bye, Dr. Costa, volte lá para de
onde nunca deveria ter saído.
4 - Fantástico José Mourinho: ele e só ele derrotou o Barcelona. Não foi o
Inter, porque o Inter é uma equipe banal, apenas com um grande guarda-redes
e um excelente médio-esquerdo chamado Snejder. O resto são vedetas sem
sustentação futebolística - como esse menino mal-educado que é o Balotelli,
um jogador absolutamente vulgar, que eu, francamente, não consigo entender
como é que merece de Mourinho mais atenção e mais oportunidades que o
Ricardo Quaresma.
É sintomático que toda a critica tenha escrito que Mourinho anulou o Barça-
jamais que o Inter fez um grande jogo. Não fez, nem nunca faz (talvez contra
o Milan, no campeonato, e contra o Chelsea, em Londres). De resto, o futebol
do Inter é tão entusiasmante como o Ricardo Costa a explicar as suas teses
jurídicas: é um futebol incapaz de dar vida a um moribundo a quem
prometessem mais dez anos de vida. Mas isso só torna mais notável o
desempenho de José Mourinho: a sua capacidade única de estudar os
adversários até à alma e de inventar maneira de os reduzir à impotência e o
seu talento para juntar nove homens banais, acrescentados de dois ou três
bons, e deles todos fazer uma equipe ganhadora. Mas, continuo na minha: de
todas as equipes vencedoras de José Mourinho, a que melhor futebol jogava,
que mais espectáculo dava, foi o F. C. Porto de 2003, que venceu em Sevilha
a Taça UEFA.
PS: Ricardo Araújo Pereira lá prossegue a sua insana tarefa de meu
arquivista particular e não nomeado. Desta vez, e para além do desejo
reiterado de não me ver falar de árbitros (exclusivo de cronistas
benfiquistas, como ele), realça a minha grande contradição por, em Julho
passado, ainda a época não tinha arrancado e eu não tinha visto jogar
ninguém, ter previsto que o F.C.Porto era outra vez o principal candidato ao
título. O facto de, logo em Setembro e depois de ver o que já havia para
ver, ter começado a escrever que o Benfica era a melhor equipe, à vista, não
anula essa penosa contradição que ele me atribuí. Ao contrário dele próprio,
a quem ninguém verá jamais um elogio ao futebol jogado pelo F.C.Porto
(aliás, futebol, propriamente dito, é assunto que nunca o ocupa), ele acha
que eu cometi o crime de não ter começado a elogiar o Benfica logo após o
Torneio do Guadiana. OK: solenemente declaro, desde já, que o meu favorito
para o ano é o Benfica. É o Benfica, é o Benfica.
Entretanto, agradeço ao arquivista ter-me lembrado que em Olhão, no jogo da
primeira volta, o Cardozo só não foi para a rua porque o árbitro, enquanto
caminhava para ele para lhe mostrar o vermelho merecido, lembrou-se do
Benfica-Porto na semana seguinte e mudou o vermelho para amarelo. O Pedro
Henriques também se lembrou do Porto-Benfica, mas, estranhamente, a
consequência foi a oposta...
Miguel Sousa Tavares n'A Bola.
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