Desde os tempos em que metia na caixa do correio de Bobby Robson as análises estatísticas dos jogos do FC Porto que André Villas-Boas não parou de evoluir. Afinal de contas, considera, a base do seu trabalho está no estudo. No estudo das tácticas e dos adversários. Mourinho ensinou-lhe tudo, mas Villas-Boas quer mais. Os jogadores adoram-no, porque reconhecem-lhe competência, inovação e, sobretudo, aquele jeito especial de comunicação que dificilmente inclui palavrões. Mas, já agora, também os diz, embora num estilo brincalhão. O "cenourinha" André não quer ser crucificado por ser... ambicioso
Tudo ensaiado ao detalhe para parecer... espontâneo
Lê os jornais logo de manhã e até os cola na parede do balneário se lhe der jeito; não resiste a espreitar o que se escreve nos blogues; antecipa perguntas dos jornalistas e ensaia as respostas; procura desviar dos ombros dos jogadores toda a pressão, carregando-a ele se for preciso, e detesta desorganização. Sim, é isso mesmo: por mais que se esforce para se afastar da imagem de José Mourinho, e não há sinais de que esteja preocupado com isso, a verdade é que a colagem de características e hábitos que o definem acaba por acentuar as semelhanças.
E há mais: o entusiasmo dos jogadores é também incondicional. Por ele, os da Académica colocavam no fogo mãos, pés e pescoço."É ambicioso, recusa conformar-se com as coisas; quer sempre mais e melhor. Aliás, terá tido as suas razões para rejeitar o Sporting...", atira Miguel Pedro, que se cruzou com Villas-Boas em Coimbra, antes de emigrar. "Vive e respira futebol 24 horas por dia", acrescenta. Exagero ou não, segundo garantiram a O JOGO outros que não Miguel Pedro, o certo é que, pelo menos nas 24 horas que antecediam o regresso da equipa aos treinos, era fácil saber onde Villas-Boas estava: fechado na casa que nem sempre ocupava em Coimbra, com vista para o estádio, a traçar o plano de trabalho da semana. Detalhadamente. "Era raro repetir-se nos treinos, adaptados às características dos adversários. As surpresas constantes ajudavam a manter os jogadores agarrados", diz Miguel Pedro. Dizem também que o candidato a treinador do FC Porto sabe ser disciplinador sem cultivar distâncias. Proximidade é, aliás,a a imagem de marca. Intransigente, mas educado no trato (sem ser santo, e ainda que lhe possa escapar um ou outro se as coisas não correm como o planeado, garantem que os palavrões não lhe saem com naturalidade...), procurava não dar grandes pistas sobre a equipa que usaria no jogo seguinte, estimulando a concorrência.
Obcecado com o estudo dos adversários, e experimentado na habilidade para os radiografar, integra a informação recolhida nos treinos. "Insistia muito na ideia de que, sempre que possível, devíamos mandar no jogo, independentemente do adversário", sublinha Miguel Pedro, que sabe, por experiência própria, o cuidado de Villas-Boas com os dramas extrafutebol dos jogadores: "Cria laços de amizade muito fortes com os jogadores". E é por isso que ninguém se nega a esforços. "Mesmo os que não jogam sentem que pertencem ao grupo e que estão a evoluir", remata.
Detalhes - As Folhas A4
Os jogadores da Académica foram-se habituando às colagens. Nas paredes do balneário, era normal verem recortes de jornais, frases soltas ou palavras de incentivo que André Villas-Boas recolhia e usava para os espicaçar.
Treinos
Diversificados e adaptados às características específicas dos adversários. Continua a ter o hábito de compilar informação, usando o vídeo como recurso preferido.
Minucioso
Nada é deixado ao acaso. A semana de trabalho é esquematizada por antecipação e, antes das conferências de Imprensa, costuma tentar antecipar as perguntas mais prováveis dos jornalistas para ensaiar as respostas, procurando, mesmo assim, que pareçam espontâneas.
Balneário
Fácil no trato, acessível, deixa os jogadores à vontade e não se exclui das brincadeiras.
Adjuntos
Hábito curioso: nos jogos em casa tinha Zé Nando ao lado (homem da casa), nos jogos fora, era José Mário Rocha quem o acompanhava.
Segredos
Os treinos da Académica passaram a ser à porta fechada. Chegou a abrir alguns, pelo meio, mas voltou ao hábito de os fechar no final da época.
Os argumentos:
Agora Escolha II - Muricy Ramalho - Créditos firmados
Depois do Mundial de 2006, Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol, pensou em Muricy Ramalho para o cargo de seleccionador, mas acabou por optar por Dunga. Ainda assim, um sinal evidente do valor e mérito do actual treinador do Fluminense. Três vezes seguidas campeão pelo São Paulo, um feito que o próprio diz ser quase impossível repetir no Brasil, Ramalho é um treinador muito exigente e disciplinador. O ex-portista Lino foi treinado por ele no Figueirense e disse a O JOGO tratar-se de alguém que joga sempre para vencer, com um futebol sem medo e cheio de garra. A táctica preferida é o 3x5x2 e o Barcelona é a equipa de eleição
Disciplina? Polémica? Em doses grandes sff
"Acho que a concentração no futebol [estágio], da maneira como é feita actualmente, vai acabar. É a coisa mais chata do mundo. Ninguém aguenta"; "Zico foi melhor do que Maradona"; "Fica difícil não imaginar Ronaldinho Gaúcho na selecção"; e ainda "Os jogadores da formação têm muitas facilidades. Jogador bom é jogador com fome". Estas são algumas ideias, muito recentes, de Muricy Ramalho, treinador do Fluminense há cerca de um mês, com contrato até Dezembro, e concorrente de André Villas-Boas para a sucessão de Jesualdo Ferreira no FC Porto. Depois de ler estes pensamentos (publicados numa entrevista após a saída do gigante Palmeiras, em meados de Fevereiro, na sequência de uma surra do "poderoso" São Caetano), é difícil não considerar Muricy Ramalho, 54 anos, um treinador polémico. No mínimo. Ele não se importa nada com isso e também parece cultivar a fama de pessoa mal encarada, pouco dado a simpatias.
Para fazer frente a essa maldição social, Ramalho socorre-se de vitórias e de títulos. "Sobrevivo de resultados. Nada mais!", disse na mesma entrevista. Com duas experiências no estrangeiro, no Puebla, do México, e no Shangai Shenhua, da China, Muricy Ramalho treinou uma dúzia de clubes no Brasil, já a contar com o actual. Depois de conquistar alguns títulos estaduais e de duas Copas Conmebol (idêntica à Liga Europa), em 1994 e 2000, o grande trunfo de Ramalho chegou com três vitórias consecutivas no campeonato brasileiro, ao serviço do gigante São Paulo, entre 2006 e 2008. A partir daí passou a ser considerado um treinador de topo. "É extremamente competente", garantiu Wilson Pimentel, jornalista da TV Esporte Interactivo, que acompanha de perto o Fluminense. "Não se ganham três títulos seguidos sem se ter valor", juntou Abel Braga a O JOGO, um treinador que já passou por Portugal.
Diz quem o conhece que a disciplina é um ponto forte do treinador do Fluminense. Gosta de manter o balneário em respeito e não admite interferências no seu trabalho, num estilo duro e marcado por um discurso igualmente forte. Ao contrário de André Villas-Boas, a única parecença que Muricy Ramalho parece ter com José Mourinho é ser dono de uma cadela Yorkshire.
Detalhes -
Sistema táctico
Sistema táctico
Muricy Ramalho gosta de jogar em 3x5x2, um sistema muito característico no futebol brasileiro. Com laterais muito ofensivos, usa dois médios de marcação. Utilizou quase sempre este sistema no tricampeonato conquistado pelo São Paulo em 2006, 2007 e 2008. Por vezes, também utiliza uma defesa clássica. Depende do momento dos jogadores ou dos adversários. Actualmente, o técnico adora ver o Barcelona jogar.
Formação
Apesar de criticar os privilégios dos jogadores da formação, muitos deles já com empresário e carro à porta do centro de treinos, Muricy aproveita-os na equipa principal. A média, diz quem acompanha o futebol brasileiro, é de cinco por época.
Inflexibilidade
"Comigo não tem esse negócio de acerto, de esquema. Não tenho jogo de cintura". As palavras são do treinador do Fluminense e referem-se à maneira como se move no futebol.
Resmungão
A relação de Muricy com a Imprensa não é nada boa. Na verdade, houve situações no São Paulo que roçaram a má educação, para se ser simpático. Não gosta de perguntas, irrita-se, chateia-se, enfim... Para confirmar, pesquise no Youtube. E ria.
Acompanha futebol europeu
Devora jogos de futebol na televisão, muitos deles europeus. Lino, ex-jogador do FC Porto e orientado por Muricy no Figueirense, confirmou. "Acompanha o futebol português. Uma vez, deu-me os parabéns pelo que estava a fazer no FC Porto".
António Soares/Hugo Sousa n'OJOGO
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