quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Campeonato? Qual campeonato?

Por Miguel Sousa Tavares in abola
 
1 – Um campeonato é uma competição organizada entre indivíduos ou equipas em que o traço característico é o de todos se submeterem às mesmas regras – e é isso, justamente, que fornece a emotividade de uma competição. Não quer dizer que à partida todos combatam com armas iguais – porque uns são mais fortes do que outros, uns dispõem de mais meios do que outros, uns têm melhores condições para competir do que outros. Mas quer dizer que a desigualdade de condições, que é própria de qualquer competição, não implica, antes impede, a desigualdade de regras competitivas. Sob pena de não valer a pena competir e de as vitórias, assim obtidas, serem desprovidas de qualquer mérito.
E, agora, vou pesar bem a minha afirmação seguinte: a esta luz daquilo que é um campeonato, o campeonato de futebol português da época em curso, designado por Liga NOS, não está a ser e não é um campeonato.
Porque há 17 equipas para quem as regras são umas e outra equipa, o Benfica, para quem as regras são outras. Claramente à vista de quem quiser ver.
Note-se que não venho chorar pelos erros de arbitragem que terão prejudicado o meu clube ao longo desta época – e bem podia fazê-lo. Detesto a eterna postura de queixinhas dos árbitros com que os sportinguistas, por exemplo, julgam poder reescrever toda a história acontecida nos relvados. Não, eu venho apenas denunciar a chocante, repetitiva e indesmentível desigualdade competitiva de que o Benfica tem beneficiado por força de sucessivas arbitragens que já nem se preocupam em disfarçar o que visivelmente é o projecto político de tornar o Benfica campeão em 2014/15, dê lá por onde der. E – concedam-mo ou não, recordem-se ou não – tenho a meu favor o crédito de quem, num passado bem recente, reconheceu, aqui e quando foi caso disso, o mérito que o Benfica teve noutras vitórias, noutras conquistas e noutros campeonatos.
Mas este ano, os benfiquistas bem podem já envergar as faixas de campeão que manifestamente lhes estão destinadas desde o princípio, podem encher o Marquês do Pombal, podem ser levados aos ombros pelo Dr. António Costa e louvados pela sua imprensa de estimação, mas não encontrarão, da minha parte ou de quem quer que esteja atento ao futebol em Portugal, qualquer indicio de respeito ou reconhecimento do mérito do título que vão ostentar.
Já foi demais, ultrapassaram todas as marcas, foram demasiados jogos empurrados pelos árbitros.
No actual campeonato, o Benfica tem um dos seus melhores registos de sempre, jogando o pior futebol desde Trapattoni. Não por acaso, a sua caminhada triunfal entre-muros, indiciando uma superioridade de jogo a quem não viu, sofre um brutal desmentido quando se olha para o que foi a sua miserável prestação europeia. Este Benfica pré-campeão e dominador na tabela, só domina cá dentro. Porque será? Alguns benfiquistas mais desprendidos ou mais sérios têm-me reconhecido que sim, que, de facto, é verdade que esta tem sido uma época muito generosa dos árbitros. Mas logo acrescentam, claro, que é para “compensar os anos em que o Porto roubava”. Pois, eu, de memórias dessas, dos “roubos de catedral”, tenho outras, ainda bem vivas e opostas, da década de setenta. Cada um tem as suas, mas, pelo menos, os “anos de roubo” do Porto eram acompanhados por um futebol de categoria, equipas e jogadores inesquecíveis, campeonatos ganhos ao Benfica com 12, 14 ou 20 pontos de avanço, e uma série de títulos internacionais jamais igualados pelo Benfica e que, esses, não podem ser explicados por favores de arbitragem. Mas sucede que este ano ainda ninguém terá visto um só jogo brilhante do Benfica – quando, onde? Sucede que, olhando para a sua equipa actual, e por razões que não vêm ao caso, que grandes jogadores lá vemos? Em minha modesta opinião, dois: Luisão e Gaitán. O resto é um conjunto banal a nível europeu, onde coexistem jogadores bonzinhos, jogadores razoáveis e jogadores medíocres. Nada que alguma vez fique para a história das grandes equipas d o Benfica.
Este fim-de-semana, prosseguindo a saga, o pobre Moreirense viu repetir-se o que já lhe acontecera contra o Benfica no jogo da Luz: 11 contra 11, estava a ganhar; com 10 contra 11, perdeu. Como se não bastasse uma daquelas expulsões inatacáveis (isto é, do puro arbítrio do árbitro, que ninguém pode confirmar ou contraditar), ainda viu o primeiro golo do Benfica nascer de um canto inexistente e um penalty perdoado que teria reposto a igualdade (o terceiro penalty consecutivo perdoado ao Benfica em três jogos). Se alguém não pode queixar-se de que é mais difícil jogar contra 10 do que contra 11 é Jorge Jesus: ele viu-se nessa agradável situação em nada menos do que oito jogos do campeonato (!), e em todas elas, se a memória não me falha, venceu assim os jogos. Mas tudo não passa, como ontem escrevia o benfiquista Fernando Guerra, de “casos para alimentarem as conversas de café durante a semana, mas nada mais do que isso…”.
O problema é quando os adversários chegam ao ponto a que eu cheguei: já nem tenho paciência para as conversas de café e, não fossem as obrigações decorrentes da escrita desta coluna, já nem teria paciência para ver os jogos do Benfica. Para quê, se o essencial da competição é desvirtuado semana após semana e se celebram vitórias que deviam envergonhar, como se todos os outros fossem estúpidos?
2 – Achei notáveis algumas das críticas negativas que li à exibição do FC Porto em Basileia, como se fosse fácil chegar lá e fazer o que o FC Porto fez: um domínio avassalador de princípio a fim, com 11 cantos contra 0 e 16 remates contra 1, enfrentando uma arbitragem que parecia comanditada e que consentiu ao Basileia um jogo de intimidação e quase violência impune, a culminar na lesão premeditada de Óliver . Pois eu penso que o FC Porto fez um grande jogo, bem demonstrativo do estatuto europeu que conquistou por mérito próprio e vai passando de geração em geração de jogadores e treinadores. Pecou na finalização, como é mais do que hábito, e não teve a sorte do jogo, como nunca tem. Mas fez um grande jogo, mostrou toda a sua categoria e mostrou uma verdadeira equipa de futebol moderno que, aos poucos, Lopetegui tem vindo a saber construir, depois de tantas perplexidades e erros iniciais. Não obstante, continuo a lamentar a sua insistência em Casemiro (bastaram-lhe 10 segundos para fazer uma falta e 18 minutos para levar o inevitável amarelo), e em Herrera, um jogador que até já deprime ver jogar:
Miguel não compreendo a sua obsessão em criticar o Casemiro e o Herrera. Numa equipa de futebol há lugar para violinos e para tocadores de bombo. O Casemiro na minha modesta opinião joga porque é mais coriáceo do que o Rúben e o Herrera porque é um monumento de resistência física, percorre o campo todo durante os 90 minutos ajudando a desestabilizar os adversários…
Agora, com a baixa de Óliver para umas semanas, aquele meio-campo, se não levar uma grande volta, vai complicar muito as coisas.
3 – Terrível o jogo do FC Porto no Bessa, como seria de esperar. Conforme a tradição, o Boavista faz destes jogos os jogos da sua vida, fecha-se como se estivesse a defender a virgindade da Pamela Anderson e distribui cacetada na justa medida em que o árbitro lho permite – e o de ontem permitiu quase tudo.
A única coisa que mudou é que agora o relvado do Bessa é um carpélio gasto e sujo, muito pior do que tantos que a Parque Escolar espalhou pelas escolas do país e onde, obviamente, o futebol não é possível, nem isso interessa agora. Para tornar tudo ainda mais difícil, Lopetegui continuou a investir em Herrera, que agora mais parece um jogadora adversário e, no limite do desastre, tece de ir à garagem buscar o Ferrari e o Aston Martin, se não não ganhava o jogo. Só uma pergunta: que mais será preciso para um árbitro aquele penalty escandaloso sobre o Hernâni? A resposta está no ponto 1 deste texto…

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